quarta-feira, 31 de março de 2010

Sylvia.

Carlos era um bom homem.
Mas ele estava apaixonado por um robô.
Ou quase um robô.
Ele comprou pela internet um software, em que você cria o seu robô na tela do seu computador, e ele faz o que você quiser pra você, em vídeos. Como um tamagosh, ou uma realidade virtual.
Todas as noites ele ia para a tela do computador e despia seu robô, enquanto Marina dormia.
Ficava imaginando cenas eróticas com Sylvia,e ele tinha dado esse nome à ela inspirado em sua atriz pornô preferida.
Fez vídeos virtuais dela nua, e sua mente dava tropeços enquanto olhava pasmo aquele corpo escultural e aquela mulher depravada.
Oh, como queria poder tocá-la!
Enquanto isso, Marina dormia. Ela era boa esposa, carinhosa, prestativa, bonita e educada. E ela amava ele.
Mas Carlos já havia se apaixonado por seu robô.
Um dia Marina desconfiou.
Checou e confirmou: Carlos tinha uma namorada virtual, uma robõ nua e depravada que fazia sexo oral no vídeo quando e como ele queria!
Primeiro ela não disse  nada. Ficou à espreita toda vez que ele ia pra frente daquele computador. As reações dele a fizeram corar de ódio e uma nuvem negra pairou sobre ela. Ficou assim mais uma semana, só observando ele nas madrugadas. Via ele rindo, se deliciando com as imagens e dizendo:
- Sylvinha, te amo minha gata gostosa!
No domingo, com as malas prontas anunciou o fim do casamento de 20 anos deles, e explicou o porquê.
Carlos, pasmo, perguntou como ela tinha coragem de terminar uma relação estável por causa de uma mulher que nem existe na vida dele!
Ele disse ainda: Meu amor, não faça isso comigo, Sylvia não existe na realidade. Não é muito melhor assim do que se eu saísse, entrasse na primeira porta e transasse com uma mulher de verdade, te traindo?
Marina, com os olhos estalados, olhou incrédula pra ele e simplesmente respondeu,
- Claro.
Mas seus pensamentos diziam:
"como ele tem a coragem de desbravar um diálogo desses comigo? Então é isso realmente que ele quer, outra mulher além de mim apenas, e faz isso virtualmente pra que não escorregue na vida real? Será que ele não entende a minha humilhação ao perder para essa mulher sem gorduras e sem celulite que faz loucuras na cama? Será que ele não entende que eu perco toda a minha auto estima quando ele deixa de se deitar comigo para apenas olhar para ela? Será que eu não sou boa o bastante? Será que foi a minha barriga ou as minhas coxas grossas? Meu deus, o que foi que eu fiz de errado!?Há anos não ouço um elogio, ou um simples 'te amo' que saia dessa boca e esse tempo todo que eu me detonei achando que tinha que melhorar por ele, pra conquistar de novo os olhares dele, ele dizia isso a um robô."
Pegou as malas, confirmou a reserva no hotel e saiu.
E já que estava no hotel mesmo, resolveu que ia tirar umas férias.
Oh, mas Deus recompensa! Apesar da saudade de Carlos e do coração ferido por Sylvia, Marina estava vivendo os seus melhores dias de liberdade! Desde os tempos de solteira não sentia isso.
Tomava banhos de sol, banhos de piscina, água de côco, fazia sauna, massagem...tudo que podia.
Até que ela conheceu Ricardo.
Ricardo estava no mesmo hotel. Não era bonito, mas era engraçado e simpático. E principalmente, fazia ela se sentir uma princesa, dizia coisas doces a ela, como se ela fosse a mulher mais linda do mundo. Oh, fazia tempo que ela não se sentia tão adorada, e como toda mulher, adorou isso.
Começou a namorar Ricardo, e estava mais feliz do que nunca. Amou muito Carlos, mas ele não havia dado valor a ela, ou, pelo menos nunca demonstrou isso.
Marina e Ricardo foram morar juntos. Um dia, assistindo a um noticiário, viram Carlos na TV.
A notícia era:
"Homem com problemas mentais tenta entrar em computador"
Ele estava no hospital psiquiátrico machucado porque havia tentado este feito fantástico.
Depois que Marina se foi ele viu que Sylvia jamais poderia satisfazê-lo de verdade, e que sua ex-mulher era sim muito importante para ele. Viu que a vida real não tinha mais sentido sem Marina e "inventou" uma máquina para "entrar no computador" para poder viver com a sua ardente Sylvia.
Pobre Carlos, viveu até o fim da vida no Pinel.
Vez em quando Marina levava frutas e doces a ele, conversava com ele, e mesmo louco ele sabia reconhecer isso e agradecia, às vezes chorava de saudade do tempo em que viviam juntos. Em momentos de lucidez pedia desculpas por ter estragado tudo, mas nesse ponto ele estalava o olho e dizia a ela:
-Ahhh... Mas que a Sylvia era muuuuito gostosa, isso ela era.

2 comentários:

  1. Minina Bárbula, a minha contista preferida.
    Muito bom mesmo
    Quero mais!
    bj

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  2. Parabéns,

    Excelente crônica, também estou montando um robô, recebo as peças pelo correio. O conto demonstra de forma caricata os casamentos onde as relações tendem a se acomodar na rotina, e o pior, em maioria buscam uma alternativa para esse modelo falido construindo fantasias paralelas. Que caneta hein?!

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