sexta-feira, 21 de março de 2014

Altar, altera, alter—ego.

Ah, tu que um dia me quis tanto
Hoje tatua o pranto
A dor do encanto que sobrou
O pouco de amor que transtornou

Ah, hoje com a tez enrugada
Dita vidas que não tive
Amortece a dor com a fala
E fala, a língua ácida que agora vive.

Tu, que era e ainda será
O bom e doce do amor tão pleno
Ainda na morte dos dois, quiçá:
O um te fará mais sereno.

Ah, tu, tua cândida face,
Um lamento da tarde fria
Ausente das chuvas e dos ventos
Presente na sala vazia.

Não posso seguir esse passo
Nem encontrar o que perdi em ti
Sou despedida,  num abraço
Sou morte morrida do colibri

Por amor, uma promessa
Quebrada com as mãos trêmulas
Com o corpo pesado, com pressa
Sem pudor, sem certeza.

Hoje caminho na avenida solitária
Vejo teu rosto nas pedras da rua
Clamo por uma doce menina
Que te fará sorrir, será só tua.

Do perdão, uma súplica
Que te faço em oração
Peço em silêncio, cálida prece
Teu altar triste, meu quinhão.

Sou consciente do amargo
Que minha busca por liberdade traz
Na lápide que carrego com zelo:
Amou demais, aqui jaz.

terça-feira, 11 de março de 2014

Rascunhos em respostas.

Mais amor,
Mais poesia,
Mais educação,
Mais harmonia.
Ah, os mais que faltam no mundo!
Faltam porque fazemos
de nós,
Insensíveis vagabundos.
Transeuntes de uma vida,
Correndo em disritmia.
Olhando sem ver
O pobre e o pão,
As urgências do coração,
A morte do irmão.

Do exagero,
a morte do amor.

Do desapego,
a mão que enlaça.

Da posse,
a ilusão que te embriaga.

Vê, irmão, a nobre poesia
Do amor livre, da dor sentida em dobro
De ser uno, em uníssono.
Sê a breve vertente da liberdade
Deixa a cruz, carrega o vento
E só pra ti,
tenha esse olhar atento.
Deixa ir, com compaixão.
Só segure firme tua própria mão.
Da felicidade,
faça tua alegoria.
Um carnaval livre
das tuas próprias fantasias.

sábado, 8 de março de 2014

O conto que nunca te contei.

Havia acabado mais uma daquelas brigas torturantes entre os dois.
Briga de casal jovem, que briga por besteira como se o mundo todo fosse acabar.
Mas dessa vez eles haviam pegado pesado, ele havia pegado pesado com ela mais do que nas outras vezes, talvez por estar cansado dos gritos dela.
Ela saiu do pequeno apartamento de térreo que os dois dividiam no Catete sem conseguir conter a cachoeira de lágrimas.
Soluçava, enquanto tentava organizar os pensamentos sobre onde ia, já que não tinha muitas pessoas conhecidas naquela metrópole quase desconhecida pra ela até então.
Pensou em procurar o tio, que sempre a acolhia nos momentos que precisasse. Ele era também sua única família por ali.
Pensou melhor e constatou que o tio se preocuparia com seu bem estar e a mandaria de volta pra casa, e ela não queria isso. Enquanto pensava, passou por um casal discutindo, mas não deu muita atenção.
Depois da esquina, na outra rua em frente ao boteco em que ia sempre tinha uma pensão, e ela resolveu passar a noite ali, pois tinha um pouco de dinheiro na bolsa.
Quando chegou, estava tudo fechado e as luzes apagadas. Tentou tocar a campainha mas ninguém atendeu, as lágrimas e os soluços continuavam e ela decidiu encontrar algum hotel por ali ou na Pedro Américo, pois isso parecia razoável pra ela naquela confusão em que estava sua mente.
Foi então que uma mão tocou seu ombro e uma voz grossa perguntou:
"Moça, tá tudo bem com você?".
Ela se virou e viu aquele homem barbudo com o cabelo comprido preso em um coque na nuca, bonito (mesmo) e com um sorriso no rosto. Ela estava confusa, mas chorou mais um pouco, quando ele a abraçou e disse "seja lá o que for, está tudo bem, vai ficar tudo bem" e apertou os braços pra apertar ela naquele consolo dado por um estranho.
Foi então que ele perguntou se ela estava procurando lugar pra dormir, ela acenou com a cabeça em afirmativa e ele disse que conhecia o dono do hostel da outra rua, e que iria ajudá-la a entrar lá, mesmo sendo tão tarde da noite.
Eles foram juntos até lá, mas o hostel também estava fechado. Então sentaram num banco para pensar juntos e foi aí que ele teve a idéia de beber umas cervejas. Foram até o cachorro quente da esquina e ele comprou duas cervejas. Sentaram na calçada e conversaram, ela falava sem parar sobre o que havia acontecido, e quando terminou chorou até vomitar. Ele segurou o cabelo dela e disse "vomita que você vai se sentir melhor", e ela realmente se sentiu melhor mesmo com um estranho agora limpando sua boca vomitada.
Beberam mais e ele disse que todo mundo o chamava de Manél e que morava em Botafogo. Não deixou ela pagar as cervejas e disse que também estava brigando com a namorada quando a viu passar chorando.
Ele fazia cinema na PUCRJ, gostava de viajar pelo Brasil tirando fotos e morava com o irmão e um labrador chamado Chico. Era alto, magro, barbudo e muito bonito.
Ele falava apaixonadamente sobre o festival de esquetes em que estava participando, e que ia ensaiar no dia seguinte de manhã com um amigo, e que aliás, ela deveria conhecer esse amigo.
E então, depois de algumas cervejas, risos e muita conversa, os dois pegaram um táxi e foram para Botafogo, compraram muito mais cervejas no cachorro quente do que parecia ser já um velho conhecido de Manél e foram pro apartamento dele. Um lugar pequeno, mas muito aconchegante e arrumadinho, a sala era relativamente grande e Chico dormia tranquilo num tapete grande ali, e Manél cordialmente ofereceu o sofá e disse para ela não se preocupar que ele não faria nada com ela, ele só queria realmente ajudar.
Eles foram para o minúsculo quarto dele beber as cervejas, e ele mostrou a ela as belas fotos que ele tirou, muitas do Sul, lugar em que ele adorava ir, coincidentemente, já que ela era gaúcha.
Uma hora depois, mais ou menos, eles desceram juntos para levar o cachorro Chico para passear. Ele pegou na mão dela. Ela sorriu.
Voltaram para o apartamento, tomaram mais cervejas, conversaram enquanto ele fazia carinho no cabelo dela descompromissado, apenas por fazer. Ele tirava fotos dela fazendo caretas enquanto ria.
Conversavam muito, quando numa onda de entusiasmo ela o viu pulando como uma criança, rindo um sorriso maroto e perguntando:
"Quer saber como eu me divirto de madrugada?"
Sim, ela queria. Não tinha como resistir ao entusiasmo daquele homem menino que era tão bonito por dentro (e por fora).
Ele pegou rapidamente o telefone, discou, esperou uns segundos com cara de criança travessa e passou o telefone pra ela dizendo:
"Pede uma música".
Ela sem entender nada e sem pensar muito pegou o telefone e disse:
"One do U2" e uma voz parecida com a do Lombardi com sotaque paraíba no outro lado da linha perguntou "E qual o seu nome?", ela respondeu e o pseudo Lombardi responde "quer mandar um alô pra quem?" e ela rapidamente disse que pro Chico do Manél.
Minutos depois começa a tocar na rádio a música pedida, ela olha pra ele e ele a tira pra dançar. Eles dançam devagarinho até que o pseudo Lombardi fala, cortando os minutos finais da música pra dizer que essa música tinha sido dedicada da Bárbara pro Chico do Manél.
Eles riram, riram por muitos minutos, enquanto Manél fazia a próxima ligação.
Ao todo devem ter sido umas 15 ligações para a mesma rádio, dando nomes diferentes e intercalando ele e ela enquanto  faziam vozes diferentes ao telefone. Eram duas crianças que se encontraram aquela madrugada e que riam até doer a barriga.
Foram fumar um cigarro na janela do quarto e enquanto ela tirava os brincos que já estavam incomodando ele perguntava meio sem jeito:
"Porque você ainda está com ele?"
Ela não disse. Apenas olhou pra baixo, cruzou os dedos e ficou pensando.
Ele disse então:
"Você ama esse cara né?" e ela afirmou com a cabeça.
Ele então a puxou e a beijou, apaixonadamente, com uma mão na cintura dela e a outra agarrando seu pescoço. Ela gostou.
Depois do beijo olhou de um jeito sério nos olhos dela e disse: "Poderíamos ser amantes, então?" e eles riram muito, novamente. Ela parou, voltou a tragar e perguntou:
"Poderíamos ser amantes vitalícios, o que você acha?"
"Amantes vitalícios... eu adorei essa idéia! Quero ver você muitas vezes mais, estar com você é como voltar a ser criança!", disse ele com os olhos brilhando e um lindo sorriso torto. E então travou um monólogo sobre o seu monótono relacionamento e como tudo em relacionamentos parecia tão complicado quando na verdade deveria ser simples. Ela ouviu atentamente.
Conversaram quase toda a madrugada, gargalharam a maior parte do tempo, tiraram mais fotos, ele dela, ela dele, beberam quase toda a cerveja e então deitaram os dois de conchinha e de roupas na pequena cama de solteiro de Manél. O rádio ficou ligado e ela dormiu ao som da voz do paraíba que sonhava em ser Lombardi.
Ela acordou serenamente as 8h da manhã, e ele ainda estava com ela nos braços naquela conchinha confortável que fez ela dormir bem e sorrindo. Ela levantou, calçou os sapatos, olhou ao redor e viu seus brincos. Deixou ali de propósito para que ele lembrasse dela, mesmo gostando muito daquele par de brincos.
Olhou pra ele com muita admiração, dormindo o sono dos anjos. Agradeceu baixinho.
Saiu pela porta, deu um suspiro, e desde então,  nunca mais o viu.