quarta-feira, 21 de maio de 2014

Cotidiano

Acordei com a cabeça em ordem e os pés ao contrário.
É mais um dia do tem-de-ser sem sequer pensar no e-se-assim-não-for.
Lavei o sono com água fria e um suposto repelente de borbulhas. Suposto.
O café preto de costume, a letargia do amanhecer e o fardo pesado de mais um dia a percorrer. Terá que ser mesmo assim?
Nunca gostei de verdades absolutas; e mais verdade é que também sempre me perdi no meio da relatividade, pendente entre os vários lados sem saber qual deles não tinha nariz de pinóquio. Bailarina no limbo, bem sei.
A questão é que o tem de ser deixa-me enjoada pois não lhe encontro as raízes. Não combina com o meu par de meias, nem brincos tampouco. Não se dá comigo. Não sei.
Cabe-me melhor o eu-assim-quero. Hoje fico por aqui.
Mas maldita varinha de condão que nos conduz e que pedras nos põe no caminho, nem tanto para nelas tropeçar, mas para decidir um destino.
Nessa altura espero pelo amanhã, que um sinal nele apareça. Pois decisões nunca foram comigo.
Não as quero nem em fios de promessas enroladas.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

 

Era fria como um destes continentes árticos que faz nossa pele agulhar de dor.
Tinha cubos de gelo incrustados na carne, e sentia orgulho de ser assim.
Ela era também fugaz como aquele vento frio que bagunça nossos cabelos e faz nosso nariz ficar vermelho.
Perpendicular a isso, era afável. Intensa.
Doava carinhos demais, palavras doces, sorrisos. Gostava de recebê-los.
Tinha sempre estes dois lados, e os dois eram fortes demais para que um aparecesse mais que o outro, então os dois eram predominantes. Ela era duas, e estas duas tinham pólos opostos.
Difícil entendê-la.
Era agridoce. Discreta e estabanada. Intensa e sutil. Um pouco louca, um pouco sanidade. Um quadro típico metamórfico de dualidades reversas. E adorava ser isso.
Era aventureira, gostava do perigo, do risco, de se atirar de um avião com um pára-quedas e de cair em queda livre. Amava sentir correndo em suas veias a adrenalina. Idolatrava o prazer de viver intensamente.
Ela era a fuga do fugaz prazer que o amor oferecia. Era fugitiva.
Não era do tipo que andava de mãos dadas como discretas algemas cabíveis na sociedade. Não gostava de receber flores bonitas que já estavam morrendo com o passar das horas. Não queria a luz das velas que se apagariam com o sopro de um sussurro.
Quando isso acontecia, ela desaparecia.
Deixando para trás algumas lembranças doces do seu jeito maluco, dos seus rastros de lama no tapete, do perfume de flores no casaco, dos fios de cabelo no sofá, da música que cantava sem saber, das gargalhadas banais, da alegria medonha de quem faz o errado parecer certo e faz o certo de forma errada.
Estas lembranças ficariam guardadas nas memórias ou nas gavetas de alguém.
E ela voltaria a aparecer, gargalhar, cantar pelas avenidas de outro alguém.
E quando tudo parecesse maravilhoso de novo naquele novo mundo, algo a inquietaria, a faria mover os pés, as pernas e os braços sem olhar para trás em direção ao cais, ao aeroporto.
Mostrando o passaporte ela novamente diria sorrindo:

- Preciso de uma passagem só de ida, por favor.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

 — E tu, por que desvia o olhar? Tem vergonha de mim?


(Porque eu tenho medo de altura. Tenho medo de cair para dentro de você. Há nos seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram montanhas, cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio os meus olhos para amarrá-los em qualquer pedra no chão e me salvar desse sentimento de apego. Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me agarrei às pétalas o mais que pude, 
sem
 sequer perceber que estava plantada num desses abismos, dentro dos seus olhos).


— Ah, eu sou tímida.

sábado, 10 de maio de 2014

Você, de novo.

Algum dia, quando eu estiver terrivelmente chateada
Quando o mundo estiver frio
Eu me sentirei bem só de pensar em você
E como você estava aquela noite
Você é tão adorável, com seu sorriso tão caloroso
E sua bochecha tão macia
A cada palavra que sai de sua boca, sua ternura cresce
Levando meus medos embora
E aquela risada que enruga seu nariz
Toca meu coração bobo
Sim, você é adorável,
nunca,
jamais
mude
Mantenha esse charme que me tira o fôlego
Pois eu te amo;

Exatamente como você está essa noite.