terça-feira, 29 de julho de 2014

Amolenga

Acordou com os braços dele enroscados, amarrados nela. Suspiros e sorrisos, cócegas e pés gelados.
Abraços com jeito de borboletas no estômago. Beijos com sabor de chocolate em calda quente.O coração entregue, fremente.
Gargalhadas que há tempos não via em si. Sons de um coração saltitante. Cores e luzes brilhantes. Era ela alegria. Era ela maçã verde. Era agora radiante.
E nesse súbito e desencontrado encontro, onde nada mais existia, exceto os pares de retina apaixonados, mais ainda, as bocas que se suplicavam.
Os olhos ficaram para depois. Santos retificados, e o amor que chegou de pronto no tempo das canções.
Beijos com um só riso, ela se aconchegou logo em quase nada - e que era tudo - Fez de um abraço, paraíso.
Ainda que tivesse anos para aproveitar à beira mar, sozinha no aprendizado do seu ser, caminhou na direção dessa descoberta nele, e decifrou aquela beleza quente e morena de ter. De um jeito tão pouco usual, encontrou ele a descobrindo numa esfera real, encontrou açúcar, doçura, carinhos e seda pura.  Olhos fechadinhos e sabor de fruta madura.
Nesse lugar deles a poesia não está nos versos, mas sim em cada gesto e no universo daquele olhar.
Ela veio do ar, ela veio para amar.
.
.
Ele também.

Amarelado

Hoje encontrei teu cheiro
Numa camiseta cinza
Perdida em meu armário
Tinha o odor embolorado
Ocre musguento e fétido
De amor esquecido há tempos
Na geladeira
O quase é corrosivo o suficiente para me causar dor. A incerteza e o talvez são crueis demais. Palavra contra palavra, eu não quero acreditar. Prefiro continuar submersa na argila. Não posso suportar o confronto pueril que me faria pequena demais, pequena demais para continuar. O grito continuará estancado logo abaixo de minhas cordas vocais, serei forte e cuidadosa para não deixá-lo escapar. Por mais que meu coração sufoque, por mais que o enjoo tome conta de mim, não vou me submeter. Estou cansada demais, carente demais, sozinha demais.

Um solitário nômade no moinho.

Já não há mais motivos para querer ficar, querer voltar, querer estar. 
As distâncias são grandes, muito grandes. E as viagens são muito longas e cansativas. 
Não pensar o por quê de querer ficar é quase como ignorar o percurso do tempo, que ele insiste em jogar na cara, dando tapas que doem. E que esses sim, permanecem.  
Não adianta olhar para o retrovisor e ver uma bela cidade iluminada, querer ficar, e seguir em frente.
Devorar livros para esquecer o presente, se jogar no trabalho que antes satisfazia e hoje em nada ajuda a rotina para desviar o trajeto maldoso que a mente insiste em procurar.
Comer tudo o que der vontade, lutando contra o funcionamento daqueles órgãos já escaldados pelo excesso.
Fugir. Daquela casa, daquela cidade, daquele estado, daquele país.
Olhar o gordo contra-cheque e não conseguir imaginar um sequer motivo para sorrir.
E aquelas velas numeradas em cima do bolo sentenciando o tempo de morte.
Fracassar sem entender. Se esforçar e perder. Traduzir a bíblia do latim para o francês, para que a saudade não sufoque, para que o coração não congele dentro da fogueira.
Depois de tanto vazio, só resta vazio. Mesmo que os dias passem e a estopa seja grossa, o vazio continuará lá, determinando para sempre a existência destes dias cruéis.
Procura-se um esboço de sorriso no espelho, mas é o travesseiro quem limpa as lágrimas recorrentes.
Solidão e medo na sempre companheira mala pequena.
De tudo, apenas dois trunfos. Dois companheiros.
Então ama, bebe e cala.
Vai, pára na esquina, passagem na mão, olhos na cidade. Acende seu cigarro de palha. 
E anda.

Pedido negado.


De tudo que penso, o sentimento me muda.
Ontem te amei, hoje já acordei sem te gostar.
Tanto fiz em te elogiar que repudiei.
Você sempre igual, pontual em rimas sem par.
-
Eu a festejar o meu atraso, e você a me encarar.
Eu a procurar passar os ponteiros rapidamente,
Você num suspiro conta os segundos devagar.
Eu pele e cheiro, você relâmpago a se apagar.
-
Eu com medo do tempo não passar.
Mas você é o dono do tempo.
O mensageiro que veio me avisar.
Que hoje as horas serão do vento;
-
Oh, meu caro amigo!
Faz do meu castigo alento,
Meu relógio querido
Faça, por favor, as horas passar.

Ambiguidade


Tenho estado calado.

Um ser alado.
No peito nu,
dois lados.
A menina angelical.
O ódio destilado.
A pressa me impregna,
de tal modo que paro.
Meio morta, meio interrogação.
Ninguém agora faz a menção
Dos dias desiguais que se passam.
A porta do quarto que não fecha.
O buraco da fechadura macabro
Que aos poucos me revela.
E o destino que é traçado,
naquele mapa amassado
Foi descoberto, foi amaldiçoado.
Por mil bruxas e profetas
Que ao meu lado,
De anjos andam disfarçados.

Au moment de mon départ.

Acontece que agora
Eu encontrei este espaço
Entre o amor e a dor
Entre a cruz e a majestade

Por dias e noites indaguei
Que sentimento ardente seria este
E vieram anjos que disseram:
"Chame, oh Deus, de saudade."

É por isto, senhoras e senhores
Da cidade pequena com língua grande
Das casas com ouvidos gigantes
Com avidez pela novidade

Que lhes digo, estou de partida
Vou e não volto para este circo brilhante
Deixo para trás o futuro que não chegou
Os dias contados de um caminhante

Deixo a inveja, a cobiça e algumas cartas de amor
Deixo a rotina, o amor de uns, a razão que não me quis
Vou-me de mochila, de ansiedade, e piso no acelerador
Vou com a sina de ser mais que aprendiz

Vou e vou de uma vez,
Por isso dou esta festa
Não chore e conte até três
Beba com pressa, depressa

Brinda ao deboche e ao calor
Que o álcool afrouxa o entendimento
Das coisas do coração, da paixão, do amor
Aprisiona a mente e devora o pensamento

Faz o melhor papel de apaziguador
Não toque, não impeça, não minta assim
Me deixa ir e ser feliz, por favor
Que agora me despeço de ti e de mim

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Para Gui.

Hoje, pela primeira vez em muito tempo, eu chorei.
Chorei de saudades de você, de te ouvir me chamar de minha nega, de ficar horas pendurada no telefone com você, você me fazendo rir feito louca e eu no meu pequeníssimo apartamento sorrindo só por ter você na minha vida.
Saudades dos açaís que eu e você tomamos juntos, só nós dois. E do quanto você me ensinou sobre a sua vida de artista.  Daquele dia que carregamos aquelas molduras de 100kg -cada- por Copacabana inteiro, porque você precisava delas com urgência. E com pena, você pegou 4 das 5 e me deixou com uma só, apesar de seus músculos não serem tão fortes. Você tremia e suava, mas não deixou eu carregar nada mais do que uma pequena moldura.
Saudades dos seus abraços, e de quando beijava minha bochecha. Saudades do seu sotaque baiano e quando falava de mim como se eu fosse uma terceira pessoa:
-Bárbara é linda. Bárbara quando entra, chama a atenção. Bárbara é estabanada.
Saudade de uma amizade que, como eu sempre disse, eu jamais havia visto igual. Amor verdadeiro, amizade verdadeira, tua alma de artista preenchendo minha branca tela. Teu amor, teu afeto, teu carinho.
Saudades de como sentávamos naquela boteco de Copacabana pra tomar um suco e depois íamos pro seu apê comendo aqueles biscoitos alemães que seu namorado comissário trazia toda a semana.
Saudades das tantas vezes em que me vi perdida, e você me dava a mão, os braços e abraços e eu me encontrava com a sua ajuda, com a sua seta, com o dinheiro que você me emprestava ou com a proposta de emprego que você me fez e que não deu tempo de colocarmos em prática.
Saudades de ter você por perto, mesmo longe, em seus infinitos telefonemas e emails, com seus maravilhosos conselhos, com nossas idas aos teatros e galerias de arte. Eu sinto falta de trazer uma nova pedrinha a cada vez que volto do Sul, pra complementar a sua coleção, que hoje já deve ter virado pó.
Saudades daquele "adeus ano velho, feliz ano novo" que cantamos só eu e você, desertos por dentro em uma praia lotada.
Saudades daquele áudio que gravamos no celular juntos e eu perdi quando o aparelho quebrou no meio. Saudades de te ouvir cantar e das músicas que você lindamente fazia.
Mas eu sei que sua morte não foi em vão, porque em mim você sempre estará eternizado. Falarei de você e do seu sucesso artístico e pessoal para meu filho, para meus netos.
Como eu sinto a sua falta, meu amigo.
Eu amo você, para sempre amarei. E estas lágrimas que caem hoje desesperadamente são apenas gratidão por eu ter tido a sorte de um dia ter tido você bem perto de mim.
Hoje, um ano e quatro meses sem você, e eu só precisava desabafar.
Daqui te mando um abraço muito apertado, igual os que você costumava me dar, com todo o amor do mundo.

Da sua neguinha.




In memorian de Fagner Fonseca - Gui.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Ultimamente,

Bocas compostas por morfina,

A saudade que aparece clandestina,

Cálidas flores em botões distribuídas,

O mar azul que nos espera, com clareza genuína,

Um paraíso afrodisíaco no quarto, em despedida.

O enlace de duas mãos que se vão, de saída.

Ultimamente, a nossa vida.