sábado, 22 de janeiro de 2011

O homem que era menino.

O vento que soprou e parou na janela era forte e suave. As avenidas correndo ali embaixo, as luzes reacendendo e a vida que passava tão depressa, tão forte.
Já é dia 6. Já são doze horas. Já está na hora. E há horas a hora já passou.
Na janela em frente, mais um a observar. O movimento, a ação, o grito, o sol que tanto brilha e num segundo a noite chega. Hora de deitar.
Mas o sono ficou lá fora, junto com a paisagem. A noite traz companhia ao concreto, ao asfalto, e às cadeiras daquele restaurante simpático em frente.
Cansado pela perda de meu sagrado sono, apenas observo o pincel de Rembrant no sorriso da moça loira que bebe a cachaça barata do outro lado da rua. Penso que deveria ir falar com ela.
Vou dormir.
Acordo. Me encontro em mais um dia, e os ponteiros viram atemporais quando a janela se fecha.
Ah, o tempo. Em que fase da vida obtemos a noção de tempo? Esta coisa invisível e palpável.  Olho para o relógio. Meu relógio não é o tempo, mas um mensageiro pragmático dele.
E esta noção real de tempo vai mudando ao longo dos anos, pois eis que cada um tem seu próprio tempo, seu tempo psicológico.
O passar das horas por exemplo. Para mim, naquele momento, pareciam dias.
Eu estava ali do outro lado do vidro sem vida, num corpo também sem vida afogado em ilusões. Mas o vidro era meu amigo, e me protegia dos perigos de tão extensa e movimentada avenida. Mesmo nos dias mais bonitos, que era quando a avenida tinha um movimento atípico de felicidade momentânea, eu não saía de lá. Apenas observava os sorrisos, e também sorria. Pensando que talvez algum dia eu pudesse sair.
E assim passaram-se os anos que eu não vi. Na avenida as pessoas que eu não conheci. No sorriso da menina, a doçura que eu não provei.
Decidi então lavar o corpo e esfregar bem, para ver se os medos escorreriam pelo ralo. Amanhã, eu pensei, amanhã eu saio para viver.
Acordei animado com tamanha atitude em encarar o mundo real e desistir do meu mundinho. Acordei pensando no sorriso de Mona Lisa da moça loira do restaurante. Acordei pensando em viver.
Mas antes que eu pudesse alcançar a porta de saída senti uma dor muito intensa, súbita e fulminante no meio do peito e por mais que eu lutasse contra ela, ela tomou conta de meu corpo e me derrubou ao chão.
Sem ninguém para pedir socorro e sem voz para gritar, meu desespero foi abafado pela dor e pela visão turva.
E foi assim que eu morri, há dois passos de começar a viver...

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Submerso.

Na verdade costumo encontrar-te sempre mesmo em cima das minhas pálpebras, a escorregar para a aflição.
As mais das vezes descortino a tua imagem por detrás do coração, imersa no desejo de te afogares nele.
E, eu confesso, deixo-te ficar lá, mesmo quando lá me arranha.

 
 
 
 
Re-postagem, de algum dia no passado.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A graduação

Ela olhava aquela foto cor-de-rosa e agradecia. Agradecia a ele, aquele homem fantástico que foi seu professor, seu mestre.

No início ela não havia entendido o sentido do aprendizado nem a didática daquele pequeno grande homem barbudo que mostrava as coisas agindo, e não falando ou escrevendo, como a maioria dos professores. Não entendia bem os testes malucos, que testavam na verdade sua capacidade, seus atos. Foi reprovada muitas vezes. Sofreu e fez sofrer com a rebeldia de uma aluna desobediente.

Porém, após as aulas terminarem, ela sentiu muita falta dele.

Descobriu a verdade certa vez quando sentada na areia num momento crucial de sua vida um outro grande homem lhe diria uma das coisas mais importantes que ela precisava ouvir. Sentiu-se confortável e segura. Neste momento, ela fitava e desnudava sem escrúpulos as ondas em sua dança para Iemanjá, e conseguia entender tudo aquilo que o antigo professor, agora gravado na memória e na foto rosa, havia lhe dito.

Nas aulas, tudo isso era apontado de maneira sutil sem que ela percebesse. A vontade dela em ser o que queria, sua rebeldia, seu fantasioso riso gritante, suas frágeis mentiras, a vaidade que ela tinha em dizer 'te amo' milhares de vezes e acariciar cem vezes seguidas a mesma bochecha, achando que este era o certo. Tudo uma grande ilusão de uma cabeça infantil em um corpo de mulher.

Seu mestre só queria ensiná-la a crescer, e em sua infinita sabedoria fez isso de modo extraordinário:  fez com que ela entendesse por suas ações, por suas reações, pelo tempo despendido de sua vida. Ela entendeu, e foi nesse momento sentada na areia de mãos dadas com alguém que ela se descobriu mais velha. A idade era a mesma, mas ela já sentia a primeira ruga de seu longo caminho.

Não sentia mais a necessidade de dizer "eu" o tempo todo. Não precisava nem queria rir à plenos pulmões na mesa do bar. Não queria mais sorrir para quem não merecia. Não gostava mais de ser imprudente com sua responsabilidade. Aprendia a agir com mais racionalidade, menos impulsividade. Basicamente entendeu coisas muito importantes. Entendeu que quando se ama de verdade, não se deve tentar provar isso para a outra pessoa a todo minuto com palavras ou gestos fulgazes, mas sim nos momentos em que esta pessoa realmente precisar de você ao lado dela.

Entendeu que amor não são lençóis, beijos e brigas. Mas sim companhia, crescimento, soma.
E mesmo depois de tanto tempo sem aquelas importantes aulas que ela tanta amava com sua paixão juvenil, e sem o professor com quem ela ria e gritava, como toda mulher jovem que parece um avestruz com cãibra, ela agora havia aprendido a lição mais importante que o professor da foto rosa poderia ter ensinado: ela gostava dela. Não havia mais razão para ser insegura.

Ela, pela primeira vez juntou o preto e o branco, o frio e o quente, o doce e o salgado. Virou equilíbrio, virou harmonia...
Como a harmonia daquela bossa que o professor cantou no primeiro dia de aula, e que agora ela escutava, enquanto lembrava dele com carinho e olhava seu diploma, o sucesso.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Nau[frágil].

Eu não sei exatamente quem eu sou. Nem se o rumo que tomei é o caminho certo pra seguir. Eu não sei bem como tudo começou, nem se ainda tenho coragem de partir. Ficar? Já nem sei mais onde estou. Já nem sei quantas cervejas tenho que tomar para vestir o sorriso guardado no armário. Não lembro qual foi a última vez que sorri sem que me pedissem, ou que disse palavras doces sem pensar no frio e ocre, que normalmente é nublado pela vodca quente. A verdade é que para o mundo, nada é o bastante. Ele sempre quer algo de mim, algo em troca pelo seu trabalho árduo. Ele sobrevive a mim, contanto que eu corresponda a altura. E eu vou.