sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Como são nunca serão.

Ele não sabe.

Acordou às 7h como todo dia fazia, irritou-se ao perceber a chuva que caía e ao lembrar os lagos que se formariam nas ruas daquela grande metrópole. Não tinha guarda-chuvas e resolveu pegar um táxi, que demorou mais de 15min para passar e a sensação das roupas molhadas pela espera davam a ele a nostalgia da cama quente e do braço que estava o abraçando a poucos minutos.
O taxímetro estava alterado, e ele percebeu que a cada metro percorrido a sua carteira esvaziava-se, deixando-o com uma nuvem negra na cabeça por saber que nada podia fazer, já que a chuva lá fora que não cessava. Olhou pela janela e sentiu saudade do dia quente e ensolarado que havia deixado seu final de semana perfeito, enquanto o taxista dava pitacos sobre a chuva e os alagamentos, mas a única coisa que ele podia responder eram alguns resmungos monossilábicos por obrigação, e não parava de pensar em como a vida era injusta por estar chovendo, por ele não estar na cama junto com sua esposa, pela sujeira da cidade que alagava tudo, pela roupa cara molhada, pelo café que não havia tomado, pelo taxista safado, pela pobreza, pela política, a física e a matemática.

Mas ele ainda não sabia.

Quando chegou na empresa ele soube. Dois moleques, na faixa dos dez anos o abordaram. Era um assalto, e depois de entregar seus pertences os garotos gentilmente perguntaram, apontando suas armas brancas:
-"Tio, cê qué um furo ou um beliscão?"
Medo. Furo ou beliscão? Que raio de assalto é esse? Quem esses dois moleques pensam que são pra tirar tudo que eu comprei com anos de trabalho duro e ainda me perguntar essa merda? Medo. Medo. Medo de duas crianças.
Pensou rapidamente na família, nos filhos e na esposa. Logo concluiu que ganhar um beliscão seria certamente mais ameno que um furo.



Quando acordou no hospital deu um grito de dor... A cabeça parecia um turbilhão de imagens e lembranças que não queriam ressurgir. Não lembrou.
Onde estava? Por quê? Que dor cruel era esta que sentia no peito?
E só soube gritar pelo nome da esposa, num grito sufocado de desespero. Ao ver a imagem dela surgindo na porta, saudável e viva só sentiu vontade de chorar. Mais nada além de chorar, e nem sabia o porquê. Mas ele viu as rugas de preocupação da esposa, e foi só então que conseguiu perguntar o que havia acontecido.
Ela contou que o encontraram na rua da Alfândega, sangrando muito e desacordado, com os dois mamilos arrancados por um possível alicate... Foi então que ele lembrou do "beliscão".
E estranhamente ele acomeçou a agradecer a Deus por não ter escolhido o furo.
Estranhamente o efeito do alicate atingiu seu cérebro, que começava a não dar a mínima importância pra chuvas, lodo e lama. Estranhamente ele ali agradecia pela esposa, pelos filhos e por estar vivo para eles.
O mundo agora tinha vida, uma vida que ele ainda não tinha visto, perdendo oportunidades de fazê-lo colorido. E agora tudo era cor. Quão graves eram problemas cotidianos? Por quê ele deixara tanto tempo passar sem ver, querendo estar sempre nos lugares em que não podia estar? Não, a vida não era pequena como ele a fazia.


Ele enfim, descobriu.

Um comentário:

  1. Bravos...plac! plac! plac!
    Minina Bárbula se aventurando maravilhosamente pelo mundo do conto.
    queromaisqueromaisqueromaisqueromaisqueromaisqueromaisqueromaisqueromaisqueromaisqueromais.
    bjs

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