quinta-feira, 2 de abril de 2009

A valsa dos corações partidos.





Eu costumava dançar.

Eis que um dia meu pas de deux saiu torto, dei um nó nas sapatilhas com as polainas e eu caí.

Não quis mais aquele bailarino fazendo duo comigo.

Ele não acompanhava mais meus passos e compassos.

Foi a primeira vez que parti um coração.

Quando aconteceu, me senti livre daquela coisa toda forçada na marra, classuda que é o ballet, e pendurei as sapatilhas no cantinho do quarto.

Fui fazer jazz e street dance, que tinha a essência surtada como eu.

Gostei.

Mas enquanto isso aquele coração partido, que eu parti com o fio da navalha das minhas palavras, dançava ao som da tristeza de Astor Piazolla.

Virei demais a cabeça pra tentar enxergar aquela dança confusa em meio à tristeza arredia, me esquecendo que eu também dançava, e torci o tornozelo, desabando ao chão.

No chão percebi que naquele palco ao lado já não era mais Astor Piazolla, e sim uma música sangrenta, enchendo de ódio aquele lugar.

Eu já havia ouvido falar naquela música, diziam que ela tocava nos confins da Amazônia, Patagônia, e nos becos escuros dos corações solitários.

Mas nunca havia visto aquela coisa tão feia, gritante e desesperada em minha vida.

Parei de dançar.

Comecei a só olhar, e chorar.

Como um dançarino podia encenar aquilo? Quis apagar as luzes do meu palco e não mais voltar.

Foi então que mais uma luz se acendeu naquela arena.

Outro palco, outro dançarino.

Comecei a olhar e deu vontade de, de novo, dançar.

Que dança confusa, triste, mas bonita esse dançarino faz!

Notas que desconheço, piruetas incrivelmente errantes e um certo desapego àquela dança harmoniosa que me fez corar.

Dançava sutil, leve, calmo como uma música erudita.

Certeiro e concentrado como uma obra composta por Brahms.

Olhei por certo tempo, incrédula.

Fechei os olhos para ouvir o som daquela dança, e quando dei por mim, todas as luzes estavam acesas de novo.

Onde mesmo coloquei as sapatilhas?

Vamos valsar?

Iniciamos uma dança só de risadas, alegre como samba e com um ritmo elevado como o sapateado.

E foi então que me lembrei da morbidez do outro cenário, olhei em volta e uma suave luz amarelada envolvia aquele palco do lado de lá.

A música era melancólica dessa vez, de Edith Piaf cantando em cabarés, embalado não por uma dança, mas apenas por um movimento de cabeça do dançarino triste, que fitava minha nova dança feliz.

E do palco do lado de lá ele desceu, e pôs-se a ovacionar.

Eu nada entendia.

Ele ovacionava a mim posta a dançar e cantar!

Mas e eu quem era?

Não a artista. Não a dançarina. Não a cantora! Não a platéia, não a autora.

Só a moça que não queria parar de bailar e tinha medo da sapatilha de ponta quebrar.
Eu queria mesmo era impressionar o outro moço bailarino que devolveu a dança ao meu calcanhar.


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