segunda-feira, 31 de maio de 2010

Insônia.

Havia roubado a caixa de remédios para dormir de sua mãe e tomou um para combater aquela lancinante falta de sono que deixava os sentimentos a flor da pele, e fazia as  lágrimas caírem soltas ao vento.
Eram 5h da manhã e o coração estava aos pedaços quando resolveu tomar a medicação, tomou e foi deitar com sua mãe.
Acordou no dia seguinte no meio da tarde, como se estivesse bêbada, sem ter muita noção de seus sentidos, sem lembrar de como havia dormido, mas havia! Isso era bom.
Estava com fome. Levantou.
Colocou um atum que estava aberto na geladeira no meio de um pão preto, encheu de catchup da melhor qualidade que seu papai comprava e comeu.
Foi para o computador, viu umas fotos e resolveu ver um filme na tv a cabo.
Sua mãe estava saindo para ir no médico, mas estranhamente sua mãe não falava com ela, nem olhava para ela.
Ela não ligou, preferia que ninguém soubesse da sua existência... Preferia não ver ninguém, nem saber de ninguém.
Queria mesmo era viver num submundo sozinha, longe de tudo.
Seu lindo cachorro preto estava no seu colo, dormindo, e ela se perguntava como podia ter ficado tanto tempo longe desse cachorro que ela amava tanto.
Estava com o cachorro, mas longe do homem que ela amava tanto. Como poderia aguentar?
Mas estranhamente dessa vez não doeu, nem sentiu a dor, nem uma lágrima se corrompeu.
O dia passou, o filme acabou, ninguém havia aparecido ou ligado, e quando o telefone tocou ela deixou tocar até cair.
Sua mãe voltou pra casa da consulta longa e exaustiva. Parecia não notar mais a sua presença naquela casa, simplesmente entrou, largou suas coisas na sala e entrou no quarto dela.
Ela viu que sua mãe falava sozinha no quarto e depois começou a gritar histérica, mas devia ser pelas roupas espalhadas e picadas em pedaços no chão, brincadeirinha de ontem a noite, na insônia desgraçada.
Como mamãe não parou de gritar e saiu correndo do quarto, ela resolveu perguntar o que estava acontecendo, mas ninguém a escutava, nem sequer notava a presença dela, e ela ignorou tudo e voltou pra frente da tv, se sentindo ridícula:
"Pronto, só porque voltei pra casa voltaram a me tratar como uma criança e não me contam mais nada", ela pensava.
Quando a polícia e a ambulância chegaram ela achou o cúmulo não saber o que se passava ali, na casa dela, e foi ver o que estava acontecendo.
Todos estavam entrando no quarto de novo, e quando ela entrou mais atrás só pode ouvir o paramédico dizendo ao policial:
- Foi suicídio ocasionado por excesso de medicação, pelo que pudemos constar... Ela teve uma overdose, e os frascos de Prozac e Rivotril estão aqui... vazios.
Sua mãe ajoelhada na porta chorava copiosamente e estava prestes a ter uma crise nervosa.
E ela estava vendo seu próprio corpo frágil e a pele muito branca naquela cama, sendo examinada pelos paramédicos, e via isso parada em pé da porta do quarto.
Então lembrou da noite anterior;
Tomou todo o frasco para que a dor parasse, a dor do sentimento corrompido. E parou.
Ela estava ali, morta vendo seu corpo estendido e estava feliz. A dor parou.
Deu gargalhadas que ecoaram pela eternidade.
Só o cachorro ouviu.

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